Em mais um dia noturno de aula no CIEP Gregório Bezerra, localizado no subúrbio carioca da Penha, realizamos uma oficina. Quando coloco "nós" não me refiro apenas ao grupo de pesquisa e extensão, mas também aos educandos da turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos). A proposição da aula/oficina era questionarmos conjuntamente a abertura da educação pública na década de 1920 em uma cidade que estava sendo moldada para ser a grande vitrine nacional da construção da identidade brasileira, Rio de Janeiro.
Quando nos propomos a indagar a proposição da educação fundamental para "todos" nos deparamos com a constatação de que: primeiro, sim! todos entram igualmente na ensino básico; segundo, não! todos não são tratados igualmente; terceiro, é! a diferença entre os indivíduos não valorizada se torna desigualdade e quarto, ihhh! a culpa não é minha.
A culpabilização do sujeito pela sua situação social é algo que trazemos introjetado em nosso pensamento e isso favorece a manutenção do sistema que temos, pois "oportunidade de estudar tivemos, mas não aproveitamos e agora voltamos cheios de vergonha e culpa por não sermos o que deveríamos ser, ou seja, permanecemos ninguém já que a educação te faz ser alguém". Coloco tudo entre as mágicas aspas que me exime de qualquer relação deste pensamento com minha opinião em constante formação, mas até que ponto?.
A ideia da oficina era basicamente seguirmos a trajetória de vida de três indivíduos (enquanto tipos ideais) para analisarmos a suposta culpa do sujeito pelo seu "fracasso escolar". Então seguindo a vida dos sujeitos-exemplos para analisarmos as causas da culpa temos o primeiro individuo filho da classe abastada, a segunda filha da classe media baixa e o terceiro filho da classe baixa e seus "destinos" baseados no mesmo ponto de partida, o ingresso na primeira série do ensino fundamental. Entretanto o mesmo ponto de partida não define o mesmo fado, mas as condições sociais vivenciadas por estes tipos ideais conspiram para suas "escolhas" e sendo assim suas classificações enquanto "alguém na vida" e ninguém".
A conversa que tivemos foi para além do que esta estudante que escreve tais linhas esperava, pois não poderia imaginar o quão rica seria as exposições de ideias sobre a desigualdade social que vivemos e o quanto tais informações puderam ser relacionadas imediatamente com suas biografias e conteúdos escolares. Os educandxs se apresentaram, como queria que fosse e não imaginava que seria, com opiniões criticas sobre a educação e para além do recorte educacional, se perceberam como produtos e produtores (que somos) das condições sociais vividas. Ao darmos outra direção ao nosso olhar nos deparamos com diversas questões que nos fazem permanecer onde e como estamos, assim como a Maria de Milton Nascimento que simboliza uma gente que "não vive apenas aguenta". E ainda usando Maria percebo que estes estudos e ações conjuntas nos fazem não a imagem e semelhança de nada, mas sim uma gente que " traz no corpo a marca" e também " traz na pela essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida". Termino assim então este escrito do carcere social compartilhado por todxs nós e mais uma vez percebo o quanto a troca que estabelecemos em sala de aula é essencial para minha formação como educadora e educanda.